A importância de cobrir todos os biomas: a palavra é conexão

Jornalistas e cientistas debatem como a cobertura do Pantanal pode ser chave para evidenciar mudanças climáticas em outras regiões do país

Apesar de ser um dos menores biomas brasileiros em extensão, representando apenas cerca de 1,8% do território nacional, o Pantanal pode servir de termômetro para evidenciar mudanças climáticas que estão acontecendo em diversas outras regiões do país. É o que chama a atenção a repórter Cláudia Gaigher, especialista em Pantanal e meio ambiente, que por mais de vinte anos trabalhou na afiliada da Rede Globo no Mato Grosso do Sul. “Não podemos mais pensar nos seis biomas separadamente: a palavra é conexão”, afirma.

Para ela, é essencial que as coberturas jornalísticas consigam mostrar para as pessoas as relações de causa e consequência. “O jornalismo ambiental não é só mostrar a denúncia ou o belo, é mostrar o caminho. Por que chegamos ali, e quais são as alternativas para superar as dificuldades?”, questiona. 

Cláudia explica que a falta de chuva no Pantanal, por exemplo, possui fortes ligações com as queimadas na região amazônica. “A pluviometria do Pantanal é inferior à da Caatinga. O Pantanal não produz chuva”, destaca a jornalista. Ela aponta que toda a chuva que desaba no bioma vem dos rios voadores da Amazônia, da zona de convergência do Atlântico Norte. Quando há mudanças climáticas nesses territórios, o Pantanal é uma das regiões que mais sofre. 

“Com o aquecimento das águas do Atlântico Norte, você tem uma redução de umidade que entra no Brasil pelo litoral e chega na Amazônia. E no caso da Amazônia, você tem os incêndios e o desmatamento que também estão reduzindo a emissão de umidade para a formação dos rios voadores”, explica Cláudia. 

Isso, segundo ela, é perceptível quando revê suas reportagens. Na década de 1990, vários rios ainda eram volumosos, os pecuaristas enfrentavam dificuldades para atravessar suas boiadas. Hoje, olhando de cima, viraram praticamente estradas de tão secos que estão. Mas a jornalista aponta que a culpa não é apenas do agronegócio mal administrado, é preciso entender a complexidade deste tema de forma global e cobrar políticas públicas da forma correta. 

Importância dos dados para a cobertura ambiental

Um trabalho importantíssimo que vem sendo feito nos últimos anos é o das instituições que coletam e analisam dados. Os cientistas vêm colaborando, em conjunto com os jornalistas, para que o monitoramento do clima e das políticas públicas possa avançar. É aí que entra o trabalho, por exemplo, de redes de pesquisadores como a do MapBiomas que todos os anos, desde 1985, mapeia a cobertura e o uso do terra, e monitora a superfície da água e as cicatrizes do fogo no país. 

Para Eduardo Rosa, coordenador do bioma Pantanal no MapBiomas, o principal desafio atualmente é justamente a consolidação de todas as informações ambientais dos proprietários de terras no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

“O objetivo é consolidar todas as informações possíveis com relação ao desmatamento e às multas existentes daquele CAR. É tentar centralizar as informações para que elas sejam mais efetivas em termos de aplicação e de pagamento da multa”, destaca. 

Segundo o pesquisador, essa centralização de informações vai ser essencial, por exemplo, no caso do Pantanal, em que 95% das propriedades são privadas, e em que 80% de todo o desmatamento está nestas áreas. 

Desde janeiro de 2019, por meio da ferramenta MapBiomas Alerta , o instituto também valida e elabora relatórios sobre o desmatamento no Brasil.

“Às vezes a gente tem uma autorização de desmatamento que só identifica o município, mas não identifica nenhuma área”, aponta o pesquisador. A regularização dos CARs serviria justamente para ter maiores informações relacionadas a essas propriedades privadas, além de conseguir multar e executar a penalidade daquele determinado proprietário. 

Entre 1988 e 2018, o Pantanal perdeu também cerca de 29% de suas superfícies de água, segundo dados do MapBiomas. O Rio Taquari, por exemplo, está sem água em um trecho de 150 km. Esse fenômeno possui forte ligação com mudanças climáticas no Cerrado e na região amazônica. “As nascentes de todos os rios que irrigam naturalmente o Pantanal estão localizados no Cerrado e na Amazônia, então o Pantanal é completamente dependente dessas regiões”, esclareceu Rosa. 

Caminhos e Alternativas

A sala de aula, lotada, comprovou que o tema atrai os olhares não apenas de jovens estudantes de jornalismo, mas também de quem já está há décadas cobrindo meio ambiente nas redações. Estiveram presentes participantes de todas as regiões do país, e foi consenso entre os palestrantes que é essencial a pressão da sociedade e, principalmente, dos comunicadores frente aos governos estaduais e municipais por mais transparência, na divulgação dos dados e no desenvolvimento das políticas públicas, para o fortalecimento dos seus órgãos para a coibição dos crimes ambientais.

Mesa: Para além da Amazônia: por que precisamos melhorar a cobertura dos outros biomas/Fotos: Pedro Moreira

Foi o que destacou Afra Balazina, diretora de mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica, que contou como funciona o trabalho das organizações do terceiro setor no monitoramento e nas denúncias dos crimes ambientais, sobretudo, nos últimos anos em que Ricardo Salles foi ministro do Meio Ambiente. 

“Quando ele falava de passar a boiada, ele estava falando também das normas, como a lei da Mata Atlântica. Eles queriam que todo mundo pudesse desmatar a Mata Atlântica com o Código Florestal, que é menos restritivo do que a atual legislação”, explica Afra. 

Segundo a jornalista, é importante entender que cerca de 70% da população brasileira vive em áreas de Mata Atlântica, entretanto, há municípios em que quase toda a vegetação do bioma já foi desmatada. Em Aparecida, no interior de São Paulo, por exemplo, somente 4% da vegetação é original, de Mata Atlântica. Ela comenta que “a batalha não está ganha ainda”. A principal luta das organizações do terceiro setor é a manutenção da atual legislação, que dificulta as práticas de desmatamento.

A cobertura oficial do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo. 

Link para a matéria no site da Abraji: https://congressoabraji.wordpress.com/2023/06/29/a-importancia-de-cobrir-todos-os-biomas-a-palavra-e-conexao/