Cobrir política externa é entender posições internas dos países, diz Jamil Chade

Segundo jornalista, debates na ONU se parecem com os realizados pelo Legislativo

Por Vinícius Munhoz/ Edição: Tiago Angelo/ Arte: Gabriel Nassif

“Cobertura de poder”. Foi assim que Jamil Chade, correspondente do UOL e da BandNews em Genebra, definiu a atuação jornalística dentro da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele participou nesta quarta-feira (3) do painel “O Papel da ONU e Suas Agências na Garantia dos Direitos Humanos”. 

Também participou da discussão Angela Pires, assessora de direitos humanos do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos em Santiago, no Chile. A mediação foi feita por Gustavo Huppes, assessor internacional de advocacy da Conectas Direitos Humanos.

Em Genebra, durante as conferências da ONU, é possível assistir aos tratados sendo firmados e a aprovação de resoluções. Apesar disso, diz Chade, o foco do jornalista deve estar no processo de construção desses acordos. “Como é feita uma declaração? Como é negociada uma resolução? Ali está a história”, afirma. 

De acordo com ele, os jornalistas precisam apurar como os interesses de cada país são construídos. É ali, diz, que cada governo espelha sua visão de mundo e exerce seu poder de influência. 

“Cobrir a ONU exige sair do declaratório, como em qualquer área do jornalismo. É procurar o que está por trás de cada uma das declarações. A história está justamente na formulação de cada uma dessas resoluções. Ali, cada um dos governos espelha a sua visão de mundo, os seus interesses, de um modo geral, e também o poder: o de bloquear uma resolução, as barganhas”, disse.

Segundo Chade, é possível entender muito da política externa dos países a partir de suas visões de mundo domésticas. Ele deu como exemplo a atuação do Brasil em Genebra em junho de 2019.

Na ocasião, o país se posicionou por vetar qualquer referência ao termo “gênero” em resoluções da ONU. O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) havia assumido no começo daquele ano e ainda se sabia pouco sobre como o país se portaria em termos de política externa. 

“Todo mundo sabia que o governo teria uma nova política externa. Mas como ela seria? Isso era um grande mistério. Até que um dia chega aqui no Conselho de Direitos Humanos uma resolução sobre mulheres e meninas. É uma resolução que ano a ano é aprovada. Antes de a resolução ser votada, há uma negociação. Naquele momento, você pode cobrir não o resultado, mas a visão de mundo daquele país. O Brasil levantou a plaquinha para dizer que era contra a palavra “gênero’”, disse. 

Outro cenário que anda lado a lado com essa construção de interesses e de visões de mundo, afirma, é a permanência do Brasil nos órgãos multilaterais internacionais, mesmo após a eleição de Bolsonaro e às críticas a organismos de direitos humanos. Segundo o  jornalista, o Brasil segue atuando no cenário internacional para tentar inserir sua própria lógica nos espaços de poder. 

O Brasil, diz Chade, defende todos os anos, desde 2019, uma resolução de proteção aos jornalistas e a liberdade de imprensa. “Isso é para enganar o mundo? Não. É para justamente sequestrar o assunto ou colocar dentro da sua própria lógica”, ressalta. “O Brasil não se desfez de sua posição na ONU. O que ele fez foi transformar essa posição dentro do objetivo da extrema-direita no mundo.”

Um dos desafios da cobertura jornalística nas Nações Unidas, afirma, envolve a liberdade de imprensa. Chade cita como exemplo uma reunião em que as portas foram fechadas para a imprensa. “Não houve cobertura dentro da ONU em um discurso que defendia a ONU”, cita ele se referindo a uma reunião envolvendo a China.

Chade também ressalta que nos últimos anos os representantes dos países estão falando menos com os jornalistas, o que prejudica a atuação da imprensa. “Fazer jornalismo é apurar, é procurar o que está por trás de cada uma das declarações”, ressalta. E isso está ficando cada vez mais difícil, conclui. 

A cobertura oficial do 17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo.

Link da matéria no blog da ABRAJI: https://congressoabraji.wordpress.com/2022/08/03/cobrir-politica-externa-e-entender-posicoes-internas-dos-paises-diz-jamil-chade/